"Como! A igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental?!"
Luiz Felipe Adurens
No dia 26 de outubro, o jornalista Luiz Fernando Vianna publicou na Folha de São Paulo o artigo Vale-tudo. Na última linha, o autor, falando da campanha presidencial, fala de “dogmas medievais” em referência às discussões ao redor do tema aborto. Essa é apenas uma das inúmeras referências correntes à Idade Média que se baseia em uma coisa (e uma coisa apenas): na ignorância histórica propalada pelos inimigos viscerais do catolicismo. Com “dogmas medievais”, o jornalista quer dizer trevas, obscurantismo, ignorância, violência, fundamentalismo, perseguição, tortura, inquisição, censura, atraso...São inúmeros os termos e adjetivos que usualmente são relacionados ao período da História européia em que a Igreja Católica mais influenciou o continente: a chamada Idade Média. O próprio termo “Idade Média” é ele mesmo fruto da desprezível – mas nem por isso rara – intriga da oposição. Cunhado pelos “pensadores” Iluministas do século XVIII, o termo designa um período que vai da derrocada do Império Romano (século V d.C) até o início do Renascimento (século XV d.C). Período de 1000 anos em que, segundo os Iluministas, a terrível Igreja Católica castrou, queimou e rasgou toda boa idéia, toda boa invenção, todo bom sentimento, toda boa obra e todo bom ser humano que se atreveu a tê-la, inventá-la, senti-lo, praticá-la e sê-lo, respectivamente. O resultado? Trevas, obscurantismo, ignorância, violência, fundamentalismo, perseguição, tortura, inquisição, censura, atraso... Mas pior do que a Idade Média dos Iluministas foi o Iluminismo dos Iluministas. A “luz da razão” deles disseminou inúmeras mentiras, e o seu “humanismo” aniquilou cerca de 17 mil pessoas entre 1792 e 1795, período da Revolução Francesa conhecido como Terror. “E a Inquisição quantos matou hein, hein?”, perguntará algum iluminado, lançando perdigotos com os maxilares iracundos. Respondo. Cerca de 20 mil...Em um intervalo de 400 anos. E as mentiras iluministas? Quantas delas foram disseminadas? Como já disse no parágrafo anterior, inúmeras delas. Mas àqueles que não acreditam nas minhas palavras, e anseiam por informações mais detalhadas, aprofundadas e fundamentadas sobre as mentiras racionais dos benfeitores iluministas incitadas pelo desejo de liberdade, igualdade e fraternidade, recomendo a leitura do livro do historiador estadunidense Thomas E. Woods Jr. intitulado Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental. Ao longo de 224 páginas, o autor agrupa, articula e cita diversas informações vindas das mais diversas fontes na tentativa de destruir alguns dos mitos que desde o século XVIII mostram uma Igreja Católica que, na realidade, nunca existiu em solo europeu, e sim apenas na cabeça de muitos europeus; europeus que por três séculos nutrem e expelem ódio ao catolicismo, quando não à religião em geral. Uma vasta bibliografia sustenta as explanações dos 11 capítulos do livro, que descrevem e assinalam desde o papel técnico e intelectual exercido pelos monges católicos, até a importância moral da Igreja, passando pela construção da Universidade, pelo desenvolvimento da Ciência, da Arquitetura, do Direito Internacional, da Economia, da Caridade e do Direito. A cada página, diversos mitos que deturpam, reduzem ou mesmo escondem a importância da Igreja Católica são desarticulados por certeiros golpes de erudição, em uma linguagem clara e agradável, alcançando o objetivo primeiro do autor ao escrever o livro: fazer desse trabalho uma obra de divulgação cientifica voltada para o grande público. São inúmeros os mitos derrubados, repito. Mas talvez o mais simbólico de todos – por ser amplamente (mal) conhecido – seja o do “caso Galileu”, exemplo da repulsa que a Igreja teria em relação ao desenvolvimento da ciência, afirmam, cheios daquela certeza absoluta dos ignorantes orgulhosos, os orgulhosos ignorantes da questão. Vamos, pois, a ela. Para compreendermos o “caso Galileu” precisamos nos remeter a Nicolau Copérnico. Astrônomo polonês, Copérnico sustentou em parte a teoria ptolomaica-aristotélica do sistema solar, que afirma ser a Terra o centro desse sistema, sendo que os outros planetas orbitam em círculos perfeitos e em velocidade constante em torno dela. Além disso, essa teoria sustentava que os planetas e seus satélites eram esferas perfeitas. Copérnico manteve quase toda a antiga teoria, colocando no lugar da Terra, o Sol, tornando-se aquela apenas um dos planetas que orbitam em torno deste.Fundando, assim, a teoria heliocêntrica. Pouco antes de morrer, em 1543, Copérnico, a pedido de cardeais, havia publicado sua obra que explica tal teoria, dedicando-a ao Papa Paulo III. O polonês temia a oposição não de teólogos católicos, mas sim dos astrônomos coetâneos, que tinham bons argumentos para sustentar o sistema geocêntrico. E sem nenhum tipo de censura da Igreja Católica, o sistema heliocêntrico foi ensinado como teoria legítima nas Universidades do século XVI. No século posterior, Galileu Galilei realizou inúmeras descobertas que contribuíram para derrubar o sistema ptolomaico-aristotélico. Com seu telescópio, por exemplo, Galileu observou montanhas e crateras na Lua (o que provava a imperfeição dos corpos celestes); observou 4 satélites que giram em torno de Júpiter (e não da Terra), e que enquanto Júpiter percorre sua órbita, suas lulas o seguem; observou também as fases de Vênus. Essas e outras descobertas foram celebradas no seio da Igreja. Em 1610, o padre Christopher Clavius escreveu a Galileu, informando-o de que os astrônomos jesuítas, colegas do padre, haviam confirmado as descobertas de Galilei. Em 1611, na cidade de Roma, foi organizado todo um dia de aulas em homenagem a ele, que escreveu: “Fui recebido e favorecido por muitos cardeais ilustres, prelados e príncipes da cidade”. Galileu teve uma audiência com o papa Paulo V, e fez uma visita ao Colégio Romano Jesutia, que lhe rendeu um dia de atividades e homenagens. Em 1612, Galileu publicou, sem nenhum tipo de problema, a afirmação de que apoiava em parte o sistema heliocêntrico de Copérnico. Ao contrário, entre muitas cartas de elogio e apoio, Galileu recebeu uma do cardeal Marffeo Barberine, futuro papa Urbano VIII; papa que, anos depois, entraria em atrito com Galileu. Mas por quê? O ponto de discórdia encontra-se nas diferentes perspectivas em relação à teoria heliocêntrica. Para a Igreja Católica, ela era um modelo explicativo válido, interessante e importante, mas que não apresentava evidências contundentes para ser apresentada como a descrição perfeita da realidade, e como teoria deveria ser ensinada. Para Galileu, a teoria era mais do que um modelo: era a verdade. Para sustentar seu argumento, Galileu apontava as ondas e as marés, que, segundo o cientista, eram provocadas pelos movimentos de rotação e de translação da Terra; e se ela está em movimento, ela não é o centro. Tal explicação não convenceu outros cientistas. Galileu ignorou tal posição, e começou a afirmar que os trechos da Bíblia que davam a entender que a Terra era o centro do universo deveriam ser reinterpretados. E que começou o problema: um leigo defendendo a reinterpretação da Bíblia baseado em uma teoria que ele não conseguia provar como infalivelmente certa. As oposições à Galileu não foram feitas por pessoas incapazes, obscurantistas, fundamentalistas. Segundo Woods, os historiadores da ciência afirmam que, no século XVII as provas que sustentavam a teoria geocêntrica eram mais numerosas do que as que provavam a teoria heliocêntrica. Um dos argumentos principais da teoria geocêntrica, afirma Woods, é o da ausência da “paralaxe estrelar”. A “mudança de paralaxe” é um fenômeno perceptivo que se resume ao seguinte: um observador móvel A vê um objeto parado B desde um ponto de vista C. Em um ponto de vista D, o observador móvel A observa o objeto B desde outro ponto de vista e diante de um fundo diferente. Isto não significa, no entanto, que o objeto B se move, mas sim que o observador enxerga-o desde outro ponto de vista. A “paralaxe estrelar” é uma mudança de paralaxe envolvendo estrelas. No século XVII, sendo a Terra o objeto móvel A, o sol o objeto parado B, os astrônomos não conseguiam perceber a “paralaxe estrelar”, daí eles acreditarem que o que se movia eram as estrelas e planetas em torno da Terra, e não ao contrário. E este foi um dos principais argumentos contra Galileu: se a Terra é que se move, como não percebemos a mudança de paralaxe? Hoje sabemos, em razão de equipamentos sofisticados, que a mudança de paralaxe ocorre, embora seja imperceptível aos nossos olhos. Mas no século XVII esse era um forte argumento contra o heliocentrismo. Galileu, no entanto, seguiu afirmando que a Bíblia deveria ser reinterpretada, mesmo não conseguindo responder ao argumento da paralaxe estrelar. Em 1624, Galileu foi recebido novamente em Roma, e em uma reunião, o Papa lhe disse que a Igreja jamais havia tratado como heresia a teoria copernicana, e jamais o faria, e reafirmou o que atestara anteriormente: a teoria poderia ser ensinada como tal, não como verdade absoluta. Em 1632, Galileu escreveu o Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo, em que ele trata como fato a teoria heliocêntrica. E faz coisa pior: um dos personagens do seu Diálogo era o Idiota, que defendia as mesmas opiniões eu as do Papa. Woods afirma que diversos fatores contribuíram para o “caso Galileu” tornar-se um caso: 1) a incapacidade de Galileu em derrubar o argumento do “espelho de paralaxe”; 2) o fato de a Reforma Protestante acusar a Igreja Católica de interpretar erroneamente a Bíblia; 3) a insistência de Galileu em ensinar como verdade o que na época não podia ser provado como tal. Em 1633, Galileu foi proibido de publicar qualquer estudo na área. No entanto, outros cientistas continuaram usando a teoria heliocêntrica sem ter nenhum tipo de problema. Um exemplo é o padre Boscovich, inventor da teoria atômica, e que se utilizava do modelo heliocêntrico. A sentença contra Galileu – apesar de errônea, defende Woods – foi pessoal, e não contra a razão, o desenvolvimento da ciência, a livre disseminação das teorias. Foi uma questão circunscrita à figura de Galileu, e não um atestado contra o desenvolvimento científico. Não sei quanto a vocês leitores, mas jamais havia entrado em contato com uma explicação tão detalhada do “caso Galileu”; explicação que com certeza mudou minha visão em relação ao episódio. E outras tantas novas perspectivas, sobre tantos outros assuntos, são apresentadas no livro Como a igreja católica construiu a civilização Ocidental. Pode ser que alguém exclame e questione: “Como! A Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental?!”, mas se recuse, com um sorriso na cara e um sopro de desprezo entre os lábios, a ler o livro. E assim, trancafiado pelas barras da sua certeza ignorantes, siga rejeitando com asco a civilização a qual deu a ele as circunstâncias em que ele vive. Pois como Thomas Woods afirma, as pessoas acreditam naquilo que estão preparadas a acreditar. |